Uma teoria da conspiração se espalhou rapidamente pela Índia assim que os primeiros casos de Covid-19 começaram a surgir no país. Era um processo de desinformação em massa chamado de “coronajihad”, que vinculava os muçulmanos ao até então desconhecido novo coronavírus.
A situação bastou para inflar a tensão histórica entre
muçulmanos e hindus em todo o território indiano. Não demorou muito para que
islâmicos fossem espancados ou tivessem leitos hospitalares negados, enquanto
trabalhadores da saúde eram rejeitados nos hospitais lotados e carentes de
profissionais.
O relato é
de Sunita Viswanath, co-fundadora da organização “Hindus pelos Direitos
Humanos” à revista “Foreign
Policy”. A entidade pertence a indianos nos EUA que discordam da
islamofobia propagada pelo nacionalismo hindu, ou Hindutva.
Esse comportamento, segundo ela, ganhou pulsão ainda maior
com o primeiro-ministro Narendra
Modi e seu partido Bharatiya Janata (BJP) desde o início da pandemia.
Modi aproveitou a crise para intensificar o discurso de que o hinduísmo está
sob ameaça, apesar de a religião representar 80% da população de 1,3 bilhão de
habitantes.
Do discurso se criou a urgência em apoiar o nacionalismo hindu,
que traz consigo justificativas para a violência e marginalização da população
muçulmana que vive na Índia, alimentando conflitos com países vizinhos,
em especial
o Paquistão.
Mas o Hindutva também traz consequências sociais à saúde,
como a difusão do vírus mortal que está levando a Índia à
catástrofe.
Eventos
Em março de 2020, oficiais do governo e a mídia de direita
da Índia usaram uma conferência realizada pela organização muçulmana Tablighi
Jamaat em Nova Délhi como bode expiatório da crise que se aproximava. O
encontro reuniu 9 mil participantes e ocorreu antes mesmo de qualquer restrição
ser imposta no país.
Ainda assim, os muçulmanos que chegaram à capital para a
conferência foram recebidos com ódio generalizado. Os realizadores foram
presos, e muitos ainda aguardam
julgamento. Enquanto isso, templos hindus realizavam encontros com milhares
de devotos.
Um ano depois, o governo de Modi volta a colocar milhões de
hindus em risco ao realizar o Kumbh
Mela, importante encontro hindu, em nome da tradição religiosa.
“Recomendação de astrólogos”, disse o primeiro-ministro ao adiantar o festival
de 2022 para 2021.
Pelo menos 9 milhões de hindus se aglomeraram no Kumbh Mela
em abril. Poucas semanas depois, a Índia chegava
ao ápice das mortes por Covid-19.
Fé e exclusão
A exclusão vai além da Covid-19. A elite hindu da Índia
despreza a imigração ilegal de Bangladesh, onde 85% da
população é muçulmana. O presidente do BJP, Amit Shah, já se referiu aos
migrantes como “cupins” e prometeu que o governo “pegará os infiltrados um por
um e os jogará na Baía de Bengala”.
Quando assumiu o poder, em 2014, Modi adotou o antigo
projeto NRC (Registro Nacional de Cidadãos) para ganhar votos hindus. O
programa visa regularizar migrantes de Bangladesh no estado de Assam, ao
nordeste do país.
Para evitar que hindus percam a cidadania indiana, Modi
aprovou a Lei de Emenda da Cidadania – um recurso para que pessoas de todas as
religiões de Bangladesh, Afeganistão e Paquistão tenham
acesso rápido à Índia, exceto muçulmanos.
As medidas não se comparam às ações de Nova Délhi no território
da Caxemira, onde a maioria da população é islâmica. Líderes
políticos estão
presos, o status de semiautonomia foi
revogado e o acesso à internet foi
cortado aos 12,5 milhões de habitantes por 18 meses. Até hoje o
funcionamento é
instável.
FONTE: A REFERENCIA
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