As primeiras manchas foram detectadas entre o fim de agosto
e o início de setembro de 2019 na Paraíba. Ao todo, mais de 5.300 toneladas de
resíduos de óleo atingiram 1.009 localidades de 130 municípios e 11 estados, do
Maranhão ao Rio de Janeiro, em uma extensão de 3.600 km do litoral brasileiro.
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas receberam 78% dessa
contaminação. O caso ainda é investigado no âmbito de um inquérito criminal da
Polícia Federal e dois inquéritos administrativos da Marinha: um sobre
acidentes de navegação e outro com base na Lei do Óleo (Lei
9.966/00).
Diretor de hidrografia e navegação da Marinha, o
vice-almirante Edgar Siqueira Barbosa atualizou as principais conclusões desse
último inquérito, a partir da análise de cerca de 400 amostras de óleo e da
investigação em uma extensa área marítima, inclusive fora da Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) do Brasil. A estimativa é de que, das 5.350 toneladas de
resíduos oleosos recolhidas, cerca de 3 mil toneladas de óleo puro chegaram à
costa brasileira, equivalentes a 3 milhões de litros.
“O óleo tinha uma fonte única e a conclusão é que teria sido
um óleo pesado venezuelano. Isso não quer dizer que foi a Venezuela que
realizou esse derramamento. É importante esclarecer isso: foi extraído na
Venezuela, comercializado por lá e transportado por algum navio que passou ao
largo da nossa costa e teve algum motivo para realizar esse derramamento”,
explicou.
Dificuldades
A Marinha chegou a investigar 1.060 navios que circularam na área investigada e
apontou as maiores suspeitais para o grego Bouboulina e os navios-tanques VL
Nichioh e Amore Mio, que posteriormente mudaram de nome (City of Tokyo e Godam,
respectivamente). Os três foram notificados, mas houve dificuldades quanto aos
depoimentos da tripulação no exterior.
O chefe da divisão de patrimônio ambiental da Polícia
Federal, delegado Rubens Lopes da Silva, também se queixou da falta de
cooperação internacional no inquérito criminal, sobretudo em relação à Grécia.
Mesmo assim, o delegado aponta 80% de chances de a responsabilidade do crime
recair sobre o navio Bouboulina.
“A responsabilidade civil, no caso de crime ambiental, é
imprescritível. No meu entendimento, já identificamos qual foi o navio e quem
foi a pessoa, com 80% de certeza, que provocou o desastre. Tendo isso, a gente
só precisa encontrar a pessoa, mas não é necessário tê-la fisicamente presente
para poder processá-la", afirmou o delegado. Quanto à questão cível, disse
ele, já se sabe qual empresa é dona do Bouboulina, "e é ela quem vai
responder por todos os danos que o evento causou ao Brasil e às comunidades”,
disse.
Rubens Lopes da Silva espera que, até o fim deste ano, a
Polícia Federal tenha condições de oferecer denúncia formal sobre o caso ao
Ministério Público.
Outra dificuldade foi apontada pela coordenadora de
emergências ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), Fernanda Inojosa. De acordo com ela, o deslocamento de óleo
sem direção definida e abaixo da superfície da água deu caráter inédito a esse
vazamento de óleo no Nordeste.
Comunidades prejudicadas
A demora na investigação, na contenção das manchas de óleo e no acionamento do
Plano Nacional de Contingência foi muito criticada por representantes do
Conselho Pastoral de Pescadores (CPP) e da Comissão Nacional para o
Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem).
Também manifestaram preocupação com o risco de futuras doenças nos voluntários
que, mesmo sem equipamentos de proteção, ajudaram na limpeza das praias.
Pescador artesanal no sul da Bahia e um dos coordenadores da
Confrem, Carlos Alberto dos Santos reclamou ainda dos problemas burocráticos
que deixaram milhares de pescadores e marisqueiras sem o auxílio emergencial
pago por meio de uma medida provisória (MP 908/19), no fim de 2019.
“O Estado brasileiro precisa assumir a responsabilidade pelo
que aconteceu. Ficamos com essa marca de ter tido o maior derramamento de
petróleo do Atlântico Sul sem ter responsabilizado ninguém", disse.
"E o prejuízo ficou justamente com a parte da sociedade que sempre é mais
prejudicada em episódios como esse: os trabalhadores e as trabalhadoras que
produzem o produto mais nobre que o Brasil tem, que é o pescado.”
Coordenador da comissão externa da Câmara, o deputado João Daniel (PT-SE)
concordou com as críticas.
“Os pescadores e pescadoras foram, sem dúvida nenhuma, os
mais prejudicados por esse crime ocorrido no nosso litoral. Conheço colônias
que estão inclusive sem receber o auxílio da época por vários motivos e
alegações. Mas continuamos na luta em defesa”, afirmou.
João Daniel organizou o debate para, segundo ele, evitar que
o tema perca espaço na mídia e no Parlamento. O deputado lamentou o fim da CPI
do Óleo sem a conclusão das investigações.
Prejuízos
O professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Peter May
afirmou que, em muitos casos, ainda persiste o quadro de prejuízos para
pescadores, ambulantes, bares, restaurantes e hotéis litorâneos registrados em
uma pesquisa que ele ajudou a coordenar no início de 2020.
Os palestrantes também apresentaram algumas sugestões de
prevenção a partir das lições deixadas pelo maior crime ambiental registrado no
litoral brasileiro. Entre elas, estão o aprimoramento do Sistema de
Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), com a instalação de maior número de
radares ao longo da costa e nas ilhas oceânicas; e a aprovação da chamada “Lei
do Mar”, a proposta (PL 6969/13) que cria a Política Nacional para a
Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro.
A Confrem, ligada às reservas extrativistas costeiras,
também pediu o cancelamento dos leilões do governo federal que podem permitir a
exploração de petróleo nas imediações de áreas ambientalmente protegidas, como
Fernando de Noronha, Abrolhos e a foz do rio Amazonas.
Reportagem
- José Carlos Oliveira
Edição - Ana Chalub
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