Há no excelente longa-metragem alemão Ele está de
volta, que discute o renascimento do nazi-fascismo no mundo,
particularmente na Europa, uma observação terrível. Revivido, Adolf
Hitler passeia, pelas ruas da Alemanha contemporânea, satisfeito com o
fato de que suas ideias nacionalistas, racistas, machistas, homofóbicas e
autoritárias continuam a florescer entre a população, quando constata: “O povo
está calado, mas com raiva. Frustrado com as condições de vida, como em 1930.
Mas na época não havia um termo para isso: analfabetismo político”.
O analfabetismo político viceja onde falta consciência
política – e consciência política é a relação vital que se estabelece entre mim
e meu próximo. O analfabetismo político é o desinteresse manifestado pelos
cidadãos para o rumo que a classe dirigente empurra a sociedade. Esse
desinteresse se dá por ignorância ou por arrogância ou, pior ainda, por uma
mescla de ignorância com arrogância. Nada pior para um país do que indivíduos
que desdenham da política governados por políticos que desdenham dos indivíduos
– este é o espaço privilegiado para a expansão da mentalidade fascista.
Certa vez o ex-senador Roberto Requião (PMDB-PR) afirmou em
Plenário que o Brasil sofre com o analfabetismo político, como definido pelo
dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Segundo Requião, esse não é um
problema dos cidadãos sem cultura. Pelo contrário, está presente nos três
Poderes da República, no Ministério Público, no mundo acadêmico, na imprensa,
nas igrejas e na alta sociedade.
Ao afirmar que o analfabeto político não consegue enxergar
que as privatizações em curso no Brasil, na verdade, apenas entregam o
patrimônio nacional para empresas controladas pelos governos de outros países,
Requião citou poema de Brecht, para quem o pior analfabeto era o analfabeto
político: "Não sabe o imbecil que, da sua
ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior dos
bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas
nacionais ou multinacionais".
O senador disse ainda que o combate à corrupção tem sido
apenas um pretexto para submeter o Brasil à "globalização imperial".
Para Requião, o analfabeto político não sabe o próprio custo de vida e, muito
menos, que o preço dos alimentos e dos remédios depende das decisões políticas.
Requião também afirmou que este tipo de cidadão, o qual se
orgulha declarar ódio à política, se encanta pelo discurso dos políticos que
dizem não serem políticos. Na opinião do senador, o analfabeto político
manifesta apoio aos famosos que se aventuram na política e a quem se apresenta
como administrador, empresário de sucesso e gestor técnico, desde que pregue
moralidade, ética e política sem partidos.
— O analfabeto político em sua ignorância impermeável,
ceratinosa, está sempre alerta, eternamente vigilante para apoiar até mesmo um
Luciano Huck, um Dória, um Bolsonaro ou quem duvida, talvez até um Alexandre
Frota.
Uma população frustrada busca inimigos para extravasar sua
cólera. E o inimigo é sempre o diferente de nós: os homossexuais, os negros, os
imigrantes, os esquerdistas, enfim, qualquer grupo que em um
determinado momento e contexto nos pareça fragilizado o suficiente para levar a
culpa pela nossa incapacidade de gerir os próprios desejos. Assim, em silêncio
e irrefletidamente, abraçamos discursos demagógicos, incitadores do ódio e da
intolerância. A violência que grassa no país – nas ruas, dentro das casas, nas
redes sociais – é apenas a face visível deste monstro subterrâneo chamado
fascismo, fenômeno que se alimenta de analfabetos políticos.
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